Primeiro que tudo, digo que menos uma vida é sempre menos uma vida. E nesta convicção, o princípio só pode rimar com o respeito devido.
A Irmã Lúcia, no meu ver, foi um caso de infanticídio ideológico cometido pelas necessidades simbólicas da fase mais clerical da reacção portuguesa e de que o salazarismo clerical se aproveitou como bandeira, consolidando um embuste até o transformar e impor como um pilar da ditadura do Vaticano. Fátima pertence ao pior da religião católica, porque é a expressão mais redutora da fé religiosa, levando-a à expressão primária da superstição, rebaixando-se, assim, o catolicismo ao nível das religiões que não passaram do mais ancestral que existe na lide com os medos e os desejos humanos.
A Irmã Lúcia e os outros
pastorinhos foram, sobretudo, um instrumento de necessidades clericais e, nesse sentido, usados o mais possível como peças da imposição católica. Pagaram caras as visões (ou alucinações) de que quiseram dar testemunho. A máquina de aproveitamento que se montou à volta deles (os pastorinhos), criou uma teia (também negócio) que, para criar uma mística rentável, impôs que pagassem o preço de vidas em esquizofrenia, mais ou menos sublimadas em compensações histéricas, com o prémio único do direito à beatificação e, quiçá, à santidade. E, neste sentido, a Irmã Lúcia é a mártir maior nessa instrumentalização, na exacta medida em que não só viveu mais como viveu bastante. Prisioneira dos seus
segredos, a clausura foi a sua forma de vida. A
Senhora tirou-lhe o direito a viver.
Curvo-me perante a consumação do direito ao descanso por parte da Irmã Lúcia. Mas não perco o direito à revolta que a ela lhe foi retirado.
Nota: Só faltava agora que, em democracia, alguns políticos procurassem facturar dividendos eleitoralistas na hora de descanso da Irmã Lúcia. Mas, eu sei, tudo é possível. E as hienas dormem pouco.