
O Dr. António Stop tinha uma notável capacidade de apostar, ganhar e sobreviver. Ele achava que era assim porque tinha nascido com uma estrelinha especial. Que só o tinha iluminado a ele. Por isso, era um optimista e um confiante. A transbordar de auto-estima.
O Dr. Stop era um homem com sorte.
Muitos diziam que o Dr. António Stop era muito inteligente e predestinado a altos voos. Alguns até previam que ele acabaria por governar o país. Entre estes, um grupo mais restrito, mais fascinado com o encanto do Dr. Stop e achando que a democracia era um mero desperdício orçamental, dizia, à boca pequena, que depois de o Dr. Stop ter as rédeas do poder do país, não valiam a pena as despesas com eleições. O povo, o bom povo português, nunca quereria outro líder, depois de experimentar o mando clarividente e ágil do Dr. Stop.
O Dr. Stop era um sedutor.
O Dr. António Stop conseguia gerir, com mestria, o charme do encanto discreto mas profundamente insinuante, com o autoritarismo mais decidido. E o mais brutal, se fosse caso disso. Dividia os outros em seguidores devotos, indecisos e opositores. Só aceitava os do primeiro grupo mas não repartia poder, só lhes dando a volúpia de pertencerem à sua guarda pretoriana. Desprezava os indecisos e tinha-os debaixo de olho e, enquanto não se decidissem a alinhar com ele, fazia-os purgar o deserto do ostracismo. Aos opositores (nessa qualidade, entravam os pequenos e os grandes discordantes), reservava a espada cortante e implacável que um cruzado reserva para a cabeça de um infiel. Ninguém merecia falar-lhe porque nunca diriam coisas mais certas e inteligentes que ele. Concedia apenas o privilégio de o ouvirem. Para o ouvir, todos cabiam no auditório da sua vaidade narcísica.
O Dr. Stop era um homem mau.
O Dr. António Stop sabia, como poucos, adaptar-se aos ventos e às marés. Mudavam governos, ministros, presidentes de câmara, partidos no poder, partidos na oposição, partidos na coligação, ele esquecia imediatamente os amigos e protectores de ontem em instantâneo favor dos novos ocupantes de poleiro. As suas fidelidades eram veementes mas sempre conjugadas no presente. Amigo do peito que perdesse poder podia contar com a sua transferência de atenção para o sucessor, mesmo que este fosse um judas do amigo esquecido. Esse que esperasse por novo ciclo de regresso à mó de cima e depois voltaria a contar com a amizade e os favores do Dr. Stop. Procurava estar sempre na onda. Era mesmo considerado o melhor surfista nacional da gestão das conveniências. Sem pinta de vergonha.
O Dr. Stop era um oportunista.
O Dr. António Stop sabia que a imagem se consegue, comprando-a para depois a vender. Sabia cativar os média, conseguindo sinecuras para os seus pivots. Aparecendo nos sítios certos. Pondo-se, na altura oportuna, na fotografia e no acontecimento. E, se não havia acontecimento para aparecer na fotografia, ele inventava-o. Ou pagava a quem o inventasse. Tinha treinado todos os truques da comunicabilidade charmosa. Fazia acontecer coisas para depois ser cabeça de cartaz da coisa. Como quem não quer a coisa.
O Dr. Stop era um comunicador.
O Dr. António Stop tinha fama de mágico do dinheiro, à custa de transformar activos económicos em produtos financeiros voláteis. Vendia, com o maior prazer e descontracção, qualquer património assente em suportes económicos e de produção, e que tinham consumido gerações a erguer e conservar, em cash na mão para jogar, gastar e repartir. O seu horizonte era hoje e amanhã. O passado já foi. Ele via o mundo como um elemento volátil E procurava, nessa volatilidade espúria, servir a sua conta.
O Dr. Stop gostava de dinheiro.
Um dia, o Dr. António Stop teve um pesadelo. Tinham-lhe descoberto os truques, os benefícios e as cumplicidades. Tocaram-lhe à porta. Em vez do mensageiro que lhe ia entregar o governo da nação, apareceu uma brigada da Judiciária constituída por sujeitos parecidos com os tipos da Comissão de Trabalhadores e dos Sindicatos. E ficou frente a frente com um juiz, em t-shirt e de ténis, que tinha acabado de ser colocado na brigada de investigação sobre os casos de colarinho branco. Não pediu para chamar o seu advogado. Exigiu, antes de ser interrogado, convocar uma conferência de imprensa. Puxou da agenda. Tinha esperança que os jornais e os jornalistas amigos o safassem da enrascada. Os jornalistas não tiveram tempo de chegar porque ele acordou.
O Dr. Stop deixou de adormecer para evitar pesadelos.