
Maputo é, apesar dos apesares, uma cidade com uma magia tremenda. Mesmo agora, com a sua beleza enrugada e nódoas negras por tudo quanto é sítio. Fosse lugar seguro, que não é, seria uma cidade para nela se gastarem os pés, os olhos e os vagares das conversas, olhando o Índico, esse Índico, imaginando garoupas a saltarem contra a maresia, recitando os muito bons poetas moçambicanos, convivendo com aquelas gentes tão gentis, apesar de esbulhadas, antes por colonos sequiosos de bens e panache e agora pelos mafiosos frelimistas e renamistas, incapazes ainda, oh gentes, de dizer basta.
Mafalala é um dos seus bairros (*). Não me surpreende nada que quem foi lá que criou raízes para ser humano, o saiba cantar com talento de saudade dorida. Como o faz, admiravelmente bem, o
Carlos Gil. Assim (e com a devida vénia):
Um bairroMafalala, oh Mafalala
bairro rico ao metro quadrado
o maior índice da cidade
de carrinhos em arame moldado
Mafalala, oh Mafalala
onde vivi até aos quinze
bairro que queriam que eu visse
o calção limpo, os olhos fechados
Mafalala, oh Mafalala
bairro de putas e operários
vendedoras de bazar, mainatos,
tantos caminhos cruzados
Mafalala, oh Mafalala
mil caminhos para milhares
teus becos, meu gelo-doce
foi lá que despedi a virgindade
Mafalala, oh Mafalala
onde vivi até aos quinze
eu de olhos fechados
tu a ensinar-me a olhar
Mafalala, oh Mafalala
(*)
Filhos de Mafalala são, por exemplo: Eusébio, Craveirinha (poeta), Chissano (presidente) e Chibanga (toureiro).