
Os setenta milhões de egípcios concentram-se em território reduzido vale do Nilo, costa mediterrânica, ao longo do Canal do Suez e em meia dúzia de polos habitados da costa oriental do Golfo do Suez/Mar Vermelho e no norte e na periferia da Península do Sinai. A macrocefalia urbana é mais que evidente Cairo (dezoito milhões de habitantes), Alexandria, Assuão e Luxor, absorvem a maioria da actividade e da massa humana.
Os contrastes sociais são gritantes porque extremados muitos muito ricos e muita vida de subsistência precária na agricultura, na pesca e na pecuária, nos serviços básicos e uma massa imensa de
lupen que vive de expedientes, pequenas serventias e comércio informal desenvolvido nos pólos turísticos. As forças armadas e de segurança têm contingentes elevadíssimos que absorvem meios humanos consideráveis. Entretanto, a classe média é pujante e numerosa, em grande parte servindo a burocracia estatal, os serviços, as empresas estatais e estrangeiras e o turismo, na sua maior parte forjada na mais importante e prestigiada Universidade árabe (Cairo). As minorias (núbios e berberes) alimentam os segmentos sociais inferiores. Segundo as regras da ocupação consolidada, a numerosa camada egípcio-árabe (hoje, perfeitamente fundida) detem o poder económico, político, cultural, religioso e militar, bem como é ela que alimenta a classe média. Abaixo da classe média, os salários são muito baixos e calcula-se em
três milhões o número de desempregados.
Os recursos não são insignificantes receitas do trânsito no Canal do Suez, turismo, remessas de emigrantes (os egípcios alimentam uma enorme colónia de emigração qualificada porque geram excedentes de licenciados que ocupam postos relevantes e bem pagos nos outros países árabes que vivem do petróleo), petróleo e gás natural.
O aparente equilíbrio nas tensões sociais dentro de um quadro marcado pela enorme polarização sócio-económica, deve-se a: forte aparelho repressivo e limitação das liberdades (o Egipto está muito longe de qualquer padrão democrático minimamente aceitável); fusão de interesses entre o aparelho militar de comando político e a oligarquia económico-financeira; apoio do capitalismo internacional (sobretudo dos Estados Unidos); forte capacidade-tampão da classe média; peso da ideologia de obediência e de conservadorismo segregada pelo Corão; o turismo de massas que proporciona um sem número de tarefas, expedientes, artesanato e pequeno comércio que alimenta uma monstruosa economia formal mas, também e sobretudo, informal. De qualquer forma, para padrões terceiro-mundistas, a corrupção não é visível; não se vêm sinais de fome ou de subnutrição; os padrões de organização e de eficiência são altos; a delinquência está sob absoluto controlo; o optimismo e os prazeres de viver, conviver e comprar, dominam a atmosfera social.
A forma como a sociedade egípcia está formatada, torna o país num local de oferta turística aliciante o ambiente social é agradável, as coisas estão organizadas e simpaticamente apresentadas, a gastronomia é excelente, a sede cultural encontra ali fonte para todos os excessos e exigências, há excelentes complementos de sol-mar; a simpatia egípcia é inexcedível; os preços são baixos-moderados. Sabendo isto (o enorme poder de equilíbrio sócio-económico que o turismo proporciona), o poder protege o turismo e trata excelentemente os forasteiros. Mas o mesmo sabe o fundamentalismo islâmico (reprimido com brutalidade) que procura criar pontos de rotura através da transformação dos pontos de intensidade turística em focos de acção terrorista. Alimentado sobretudo pelos meios universitários, o fundamentalismo não consegue visibilidade (desde que assassinaram dezenas de turistas alemães em Luxor há cerca de dez anos atrás) mas logicamente que não morreu nem sequer adormeceu. Para já, conseguiu o adiamento do aprofundamento das normas democráticas, o monstruoso crescimento do aparelho repressivo, alguma retracção na procura do Egipto como destino turístico e alguns retrocessos de comportamento social (sobretudo no plano da libertação da mulher).
A política oportunista do governo egípcio, iniciada com Sadat e continuada com Mubarak, segue a mesma intenção de privilegiar o
status egípcio. A moderação egípcia afasta o país das causas bélicas perante Israel (foi esse o preço para recuperarem o Sinai); permite-lhes as boas graças americanas; ocuparem relevância na burocracia diplomática islâmica e internacional; viverem dos rendimentos. A sua diplomacia é de bazar, tudo se procurando resolver pelo regateio que desemboca no eterno ajuste por metade do preço. Está para ver em que medida o fundamentalismo doméstico vai permitir o prolongamento deste posicionamento constante no meio do tabuleiro. Quanto a perspectivas de avanço, elas não se vislumbram o Islão puxa suficientemente para trás os mais tímidos arremedos de modernidade.