![kiobionice-20040124-01[1].jpg](http://agualisa.blogs.sapo.pt/arquivo/kiobionice-20040124-01[1].jpg)
Volta e meia, acontece-me. Segurar num livro, abri-lo e logo nas primeiras páginas sentir uma sensação de ansiedade em o querer devorar. Com uma enorme sôfrega raiva pelo atraso em só, nesse momento, o estar a ler. Com essa forte pressão de querer compensar a ausência com as palavras necessárias. Como se tivéssemos uma montanha pela frente com toda a pressa de chegar ao vale que nos espera do lado de lá e onde supomos que esteja construída uma das nossas casas. Sim, porque, e não sei se já vos disse, os livros são as minhas casas.
O fenómeno está-se a repetir com mais um livro em que me atrasei a sentá-lo à mesa dos meus prazeres. O livro foi editado em Espanha há cinco anos e em Portugal já leva quase um ano de edição. Desatento estive, pois, ou
a dormir na forma que é das poucas expressões que guardei para uso corrente da minha experiência de miliciano castrense. Mas já cá canta e isso agora é o que interessa. Com o único efeito de desconsolo de ressaca que é o de se
ter acabado (e eu bem que lhe pedia mais).
Há muito tempo que me ocupa e preocupa o pensamento entender a
transição espanhola (do franquismo para a democracia), isso que me pareceu ser uma forma canalha de cortar a memória de um povo às fatias e desfazer a maior parte delas em migalhas atiradas aos cães do oportunismo da adaptação. Chantageando-o pelo medo dos demónios da memória. Degradando-o dessa forma. Ou capando-o, se expressão mais forte é permitida. E, afinal, está
tudo neste livro. Com uma escrita cheia de nojo brilhante pela estética da narrativa ficcionada histórica. Um monumento à canalhice organizada e como ela, quando chega, toca a todos. Porque a degradação a todos salpica. E explica Juan Carlos, Suarez, González, Aznar e Zapatero. E muito mais, muito mais. Escrita brilhante, sendo de antologia a "auto-memória" da agonia de Franco.
O livro chama-se
Francomoribundia (Juan Luís Cebrián Ed Âmbar Colecção Cântico Final). A tradução (excelente trabalho) é de Marcelo Correia Ribeiro.