Sou de terra de poucos célebres. Porque, por ali, as virtudes e talentos, por regra, amarfanham-se a enterrar o suor na terra. Não havendo míngua de água, parece que, só com suor, muito suor, cada vez mais suor, é que o vegetal se dispõe a germinar e a estender ramos e frutos. E, por isso mesmo, é que sempre achei um espanto que o ali colhido não nos plante sabores salgados na boca. Lá haverá explicação de entendido que, um dia, me explicará como é que o sal do suor das minhas gentes de origem resta na terra sem subir às nervuras botânicas.
Sou de Sabrosa. Como disse, terra de escassas celebridades. Por isso, estimam-se as que nos calharam em sorte feita coisa rara. E acima de tudo, ama-se a maior Miguel Torga. Que, há dez anos, cumpriu o lugar próprio de uma torga - meteu-se terra dentro, como lhe compete a sua natureza de raiz.
A vida de Torga não foi mais que a de uma torga desenraizada andou por aí, espalhando poesia, olhares, ralhos, exemplo e actos médicos, até voltar ao seu sítio de condição.
Torga, transmontano-duriense, foi também um viajante perdido de amores por muitas terras. Entendendo outras vozes e outros sentires. Outros seres, mesmo. Amou o Alentejo, como eu gostaria de ter talento e sedução para amar. Mas um transmontano no Alentejo, como ele e como eu (desculpem o atrevimento, mas Torga é meu patrício e, daí, meu igual), perante a planície e a dignidade única dos portugueses que melhor sabem andar direitos, costumamos, pelo menos uma vez na vida, fazer uma prece de lonjura de olhos, pedindo favor de adopção. Eu digo assim, com palavras mal alinhavadas e curtas para o merecimento alentejano. Por isso, como o pretexto é bom, passo a palavra ao meu patrício que soube, como poucos, cantar-nos a terra que trazemos agarrada aos pés:
AlentejoA luz que te ilumina,
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...