
O que pode fazer de nós a ternura da vida mais vivida que por viver? Ora bem, treinar a emoção para que as lágrimas não andem sempre por aí a entornarem-se e a molharem os fatos (normalmente, de cinzento escuro, que deve ser a cor mais à prova do sentir) dos vigorosos com pressa de subirem na vida.
Ontem e hoje, dei comigo a mirar e remirar compulsivamente esta foto do albúm da minha querida Guida (sai sem link, por causa do ciber-frio) e a comover-me vezes sem conta, olhando-lhe os rebentos e soletrando a legenda dos seus alegres suspiros de mãe, a fingir que é uma galinha com asas do tamanho do mundo.
E vejo-me de novo na volta da minha juventude, de braço fraternalmente dado com a Guida, a minha querida Guida, três quartos irmã e camarada no que sobrava, mais o meu mais que querido Zé (porque esse, foi só irmão, o camarada estava-lhe no sangue, tão irmão que a sua perda é um dos carregos que me curvam as costas), mais tantos outros em que só faltaram os que não quiseram inventar o mundo, espalhando risos de revolta e de poesia na noite do fascismo duro e que até deu numa noite em que dormimos juntos em Caxias (ela na cela de cima, eu na cela de baixo, com a enorme carga simbólica da deriva da libertinagem salazarista com cheiro de seminário, em que, só nas prisões políticas, se admitia que uma mulher pudesse passar a noite por cima de um homem e sem ser para procriar).
Bate as asas, mulher, bate as asas. Eu fico a ver, derretido no gosto de te procurar o olhar nunca quieto, fingindo que a idade por nós não passou nem passa, apetecendo-me o abraço que me falta. Pensando ainda na trapalhada desta democracia que quisemos no lugar da dita dura (e bem dura, sabemos nós). Com o desejo límpido de que a tua tribo espalhada seja o mais feliz que puder e em sintonia com o merecer.
De IO a 5 de Janeiro de 2005 às 21:52
Até eu me comovi, ao ler-te. Um beijo aos dois, IO.
Assim não vale, João... Olha lá esta lagrimita assomando junto aos "pés de galinha", por evocares esse nosso mundo amputado de um continente! Bem, vamos continuar a vida, OK? Beijo grande. Guida
De
Sonia F a 5 de Janeiro de 2005 às 18:19
Ainda outro dia a tia Guida contava-me essa história na prisão de Caxias. :)
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