
Sempre fui avesso aos calores. Porque, quando aquece em demasia, e tirada a roupa, não consigo despir a pele. Para mais, acho que a espécie de que sou membro numerário, não foi feita, nem para isso está preparada, para alourar numa sertã. Talvez nos tenha faltado virmos ao mundo com o corpo condimentado numa competente
vinha de alhos. E, assim, dúvidas não tenho em resmungar
Tete quando me perguntam qual a última terra em que admitia viver.
Aliás, quando o calor aperta, o único problema que nos concentra e nos esgota é resolver a luta contra o termómetro, não sobrando energia para o quer que seja de útil e prazenteiro.
Sendo um temperado por vocação, tenho artes de me safar no frio, aproveitando-lhe as sortes de inspiração para inventar calores de recurso. E, talvez para disfarçar até que passe, sinto, como nunca, o apelo a pensar, ler, saber, divagar. Porque um bom frio torna qualquer comum num poeta com vontade científica de viver. E como a natureza se torna linda na sua defesa de luta contra o frio! Sobretudo quando ela se despe e se retorce na estética da nudez e nos convida a sacudirmos o frio do olhar.